27.10.10

educação como arte: do amor à crítica

Mais um texto elaborado no final do primeiro semestre de 2010 para a disciplina de psicologia da educação, da faculdade de educação da usp, como parte do curso de licenciatura em música.

A aula de 5/5/2010 (Conhecimento transversal, interdisciplinar e a metáfora de “rede”) tratou do segundo ponto sugerido como estratégia de ação para a educação em valores na aula anterior, do desenvolvimento de projetos como eixo vertebrador do currículo.

O currículo tradicional está montado sobre os conteúdos disciplinares, que encontram-se isolados uns dos outros. Esta ainda é uma estratégia moldada a partir da estrutura do vestibular. Uma educação transformadora deveria partir de temas transversais, diretamente relacionados ao cotidiano do aluno, no sentido da constatação do professor Nilson Machado (em um dos vídeos exibidos), de que “a vida não é disciplinar; a escola é”.

Assim, tendo os eixos transversais como vertebradores do currículo, por meio de projetos interdisciplinares, surgiria um ambiente aberto para o novo. A estratégia estaria fundamentada na ação de dar um sentido ao conhecimento, com base na busca de relações entre fenômenos naturais, sociais e pessoais.

Como resultados, tem-se que, o se “tratar de perguntas sem resposta com rigor científico”, perde-se o constrangimento de arriscar. Além disso, a organicidade permitida pela interdisciplinaridade e pelo diálogo favorecem a compreensão do mundo e o desenvolvimento de sentimentos morais, que se traduzem em motivação para transformá-lo.

Diante desta perspectiva bastante encorajadora de renovação do ensino, encontrei na bibliografia (ARAÚJO, Ulisses F. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna, 2003) apenas um único ponto que considerei insatisfatório e que diz respeito à maneira como a arte se insere no currículo. Tento explicar-me, a seguir, com base no percurso realizado, no livro, para a apresentação de uma evolução do sistema tradicional (conteúdos como eixo) ao representado pela metáfora de rede (que enxergo nem tanto como uma teia, mas mais como núcleos cujos raios se interpenetram, formando uma conexão estruturada entre os conhecimentos).

No primeiro diagrama que reproduzo abaixo (apresentado originalmente na página 57), referente ao modo mais tradicional de estruturação do currículo, têm-se “artes” no eixo vertebrador, junto às outras disciplinas curriculares tradicionais. Durante a leitura, minha primeira vontade foi a de inserir um vetor para “artes” também naquele considerado eixo transversal, como uma “temática” do cotidiano – o que, a princípio, julguei ser totalmente possível e desejável.


"primeira concepçãp de ensino transversal"

O diagrama seguinte (página 63), no qual já há uma inversão entre os eixos, com as temáticas transversais como estruturadoras do currículo, ainda é considerado insuficiente pelo autor, em face à metáfora da rede. Nele, no entanto (e espero que tenha sido uma falha da edição), as artes desapareceram completamente! Tive um sensação de vazio mesmo ao observar o diagrama e, no meu exemplar, tracei instintivamente um vetor para “artes” na direção diagonal, de modo a transpassar os dois eixos.


"segunda concepção de ensino transversal"

A terceira concepção é a apresentada como ideal pelo autor, que usa a imagem de uma teia de aranha e de uma rede neural para ilustra-la. Isto agora não vem ao caso, mas essas imagens me pareceram ainda insuficientes para tratar da interrelação entre os saberes. Nas teias, embora as ligações não sejam apenas ortogonais, os pontos estão fixos. Penso que uma representação mais próxima do que seria uma relação mais plena entre os saberes possa ser conseguida ao se imaginarem núcleos em constante movimento, que se tocam ou se interpenetram, mais ou menos profundamente...

Enfim, considero o método construtivista revolucionário face à educação ainda reconhecida como tradicional, assim como considero válidos e concordo amplamente, com base no que foi apresentado nas aulas e nos textos, os benefícios dos instrumentos da assembléia e do desenvolvimento de projetos. No entanto, como arquiteta e estudante de licenciatura em música, me preocupou bastante a ausência ou, pior, a presença “fraca” das artes em uma discussão que, além de já se materializar na prática, é realizada por profissionais visivelmente engajados e tem tudo para ser transformadora da educação.

Tentei pensar em algum motivo para a lacuna e encontrei a seguinte hipótese: talvez tenhamos passado tanto tempo sem uma educação artística adequada e, assim, sem um contato com obras de arte autênticas, que os próprios educadores e atuais debatedores e transformadores da educação não tenham tido a oportunidade, enquanto educandos, de tomar contato com o que seria uma vivência artística autêntica. Deste modo, realmente não faria sentido (seria falso) defender uma presença das artes como parte da estruturação do currículo.

Gostaria de ser capaz, no entanto, de chamar atenção para o quanto isso deve ser conscientemente considerado, estudado e revertido, para que o resultado de nossas proposições não venha a ser um ensino formativo e crítico, mas desprovido da beleza e de um desenvolvimento mais pleno dos sentimentos e das habilidades humanas.

A ação transformadora do mundo não precisa vir somente de um lado, da compreensão e de uma postura que nos mova a transformá-lo. Isto já é uma grande coisa; mas ainda é pouco se levarmos em conta que esta ação pode vir, também, de um profundo sentimento de amor ao mundo e que a transformação que ela motiva pode estar da maneira mais visceral possível vinculada ao desejo e às habilidades de tornar o mundo mais belo.

É nesta relação entre cognição e sentimento que repousam (ainda) o imenso potencial e a indispensável contribuição da arte à educação.



3 comentários:

Milene disse...

Que bom poder encontrar pessoas como você!Isso prova que há esperanças,em encontrarmos pessoas, humanamente, dispostas a não se esquecerem do material de que são feitas: o amor e, será somente através desta concepção, como disse"visceral", que poderemos envolver a educação com essa linha diagonal, tão maravilhosa e necessária, que é o acolhimento com as artes. Obrigada por suas reflexões Milene Matos

Carolina disse...

Obrigada pela visita, Milene! Como será que você chegou ao blog? Acabei entrando no curso de formação de professores waldorf este ano, estou cada vez mais impressionada com o potencial desta pedagogia! tenho esperança de que, em breve, cada vez mais essas coisas mais simples sejam consideradas (o que não é fácil... ainda parece mais fácil recorrer a recursos sofisticados para educar do que trabalhar com o que já temos à mão...)

abraços!
Carolina

Milene disse...

Carolina...vou te contar...cheguei ao blog porque estava procurando por um tipo de tinta que cubra azulejos...e acabei encontrando esse outro tipo de pintura que faz parte da minha vida:a constante busca pela aplicação de uma prática educacional que sublime o ser humano tal qual e para, o que de fato, somos feitos...busco em minha prática a proximidade do que seja o constante criar e recriar neste campo tão vital, como é a educação.Aguçar o olhar para além e movimentar a prática educacional, de modo que haja oportunidade para que as crianças e adolescentes desdobrem suas potências, mediante todas as extensões: física, psiquica, espiritual...na realização de formas de expressões que possibilitem um expiral de interações numa perspectiva interdisciplinar que vise a transdiciplinaridade.
De qualquer modo, lhe deixo uma frase de Paulo Freire:"... A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria." ou seja, sem artes não haverão aprimoramentos de " como se vê, como se ouve, como se sente, não é mesmo? Obrigada abraço Milene