15.7.09

Leis naturais e arte

Diante da dificuldade em conceituar o que seria o “natural” na música até chegar a Béla Bartók, (já um pouco aliviada com o que encontrei em Webern), veio então a seguinte pergunta: Qual o “problema” do som ter uma origem “natural” (a série harmônica) que é exposta, ainda que parcialmente, em um sistema (o sistema tonal diatônico)? Seria uma tentativa de compreender a natureza? Fazer música como forma de estudo da natureza? O estudo como arte, todo produto humano como arte (de como a ciência separou-se da arte, a ponto de não de compreender estudo como arte – e mesmo o lugar da imaginação, como proposto pela Schuback:

"O exercício do entendimento, a fundamentação de toda ciência depende da imaginação em momentos decisivos. O traço mais comum que se pode encontrar entre a ciência matemática e a ciência histórica não é tanto o ideal de exatidão, mas a imaginação de um mundo exato, de um mundo dos fatos, capaz de atravessar incólume todo o oscilar de interpretações e prescindir de todo testemunho. Nesse sentido, a pretensão de que o entendimento nada possui de imaginação talvez seja a única grande fraqueza do entendimento. E como toda fraqueza, quer sempre esconder-se, a ciência, com seu ideal de exatidão, finge não ser imaginação a imaginação que deveras sustenta". In. SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. A doutrina dos sons de Goethe a caminho da nova música de Webern. UFRJ Ed., RJ: 1999. pp8-9.

E por acaso não há na arquitetura um “sistema tonal diatônico”? O que seria a série harmônica para a arquitetura, suas tensões e relaxamentos? Pois a pergunta já responde. Não é de se estranhar que existam leis regendo a música! Que dizer da lei da gravidade para a arquitetura e tudo o que se sustenta sobre a terra? Os diagramas de força dos estudos de estrutura? Pois então... o sistema tonal diatônico em arquitetura não seria a estrutura porticada? O que é o pórtico: pilares no eixo vertical unidos (ou separados?) por vigas no eixo horizontal. Tomando dois pórticos, já é possível “harmonizá-los” usando uma laje. Assim, pórticos harmonizados por panos de laje.

Os diagramas estruturais são, literalmente, diagramas de forças! E os vínculos – ou a união entre uma “tonalidade” e outra (pilares, vigas, laje)... os vínculos, que resolvem a tensão, são as cadências tonais... não? Assim é possível estudar uma harmonia funcional – tonal – em arquitetura, já desde o partido estrutural. Assim como Bispo propõe na escala do Urbanismo... (tensão e relaxamento no tecido urbano).

Como a dissertação é na FAU, para arquitetos, não preciso explicar o beabá dos diagramas estruturais (embora precise estudá-los!); mas, em um trabalho mais completo, que realmente busque reunir músicos e arquitetos (se reunir “Música” e “Arquitetura” for algo muito pretensioso, que se reúnam músicos e arquitetos...) ou mesmo neste, mostrar alguns diagramas “diatônicos” de tensão aos músicos não seria mal, até para que os arquitetos visualizem que, de fato, o sistema tonal diatônico nada mais é do que um sistema estrutural. Do ponto de vista meramente estrutural, sem entrar portanto no reino da estética e da própria arte, Arquitetura e Música podem ser vistos, a princípio ou por um certo olhar, como sistemas estruturais.

Se é tão certo que, se a série harmônica está para a música como a lei da gravidade está para a arquitetura, e que, então, a tonalidade está para a música como o pórtico para a arquitetura, (sendo tonalidade e pórtico como processos de interpretação das leis naturais de som e matéria no tempo e no espaço), o passo seguinte é tentar imaginar o que seria a ampliação do sistema tonal em arquitetura. Uma pergunta seria: quais as possibilidades todas e de coerência máxima (Webern) para vencer a gravidade? Muitas! Por mais que o pórtico ainda impere! (Por “praticidade” ou “hábito”...)

A abóboda, por exemplo, que tanto me atrai; as experiências de Gaudi, os arcos, que outro dia vi serem chamados em uma daquelas notícias de internet de “arquitetura medieval”, são sistemas estruturais coerentes para vencer a gravidade a partir de esforços de compressão. Assim, utilizar nos arcos a pedra, o bloco, o material que melhor trabalhe a compressão. As tenso-estruturas, com cabos e membranas, seriam outra forma de vencer a gravidade. Pensar a arquitetura do edifício como apropriação espacial e vitória da matéria sobre a gravidade... Considerando esse ponto de partida “nu”, e todo o resto como acessório, quantas não são as possibilidades? (Um outro caminho, da histeria, é partir de externalidades e aberrações formalistas. Enfim... e que não vence gravidade nenhuma, fugindo de toda a coerência tão desejada).

Tenho plena convicção de que precisamos fazer de tudo para romper o pórtico como ponto de partida da concepção estrutural. Não abolir, mas expandir de fato esse sistema. Será possível que a conclusão da pesquisa possa conter algo nesse sentido? (E há autores e pesquisadores que buscam essa linha também dentro da arquitetura, mesmo sem se relacionar diretamente com música. Vitor Lotufo, por exemplo).

Mas para agora, para a dissertação, o que importa isso tudo? Importa que o tipo de imagens que ajudarão a levar os arquitetos a uma compreensão de música nem de longe deve ser de esquemas de partitura, que apenas tendem a paralisar os arquitetos, com as crenças limitadoras próprias da rigidez de um ser humano já maduro. As imagens, ainda que sejam evocadas exclusivamente por palavras (me incomoda pensar em um texto que dependa de um CD para ser lido e compreendido) devem encorajar o entendimento, no sentido da tal “imaginação” proposta pela Schuback. Para mim, também se trata de uma questão de sobrevivência diante da tarefa desta pesquisa.

Um comentário:

gabriel disse...

puxa, que legal essa hipótese! achei seu blogue por acaso procurando por "páteo do pari"

o que você acha do pavilhão philips do le corbusier?