3.9.08

música na arquitetura da casa anderson

Coisas que pensei conversando com o arquiteto Michel Chaui do Vale sobre o projeto da Casa Anderson (www.casa-anderson.blogspot.com)

Estávamos projetando o telhado. Existe alguma resistência em desenhar o telhado de duas águas que a proprietária imaginou. Eu tinha pensado, outro dia, em propor um jogo de volumes planos muito ligeiramente inclinado (o suficiente para deixar descer a água), de diferentes alturas, que não seria nem o telhado corriqueiro, nem a laje plana já descartada pela cliente. Então Michel falou, até citando Lina Bo Bardi, do incômodo do "quase" - o quase plano ou quase inclinado, no caso. 

A música do início do século XX, pensei, ao formular uma proposta de expansão do tonalismo, estava lidando o tempo todo com este "quase". Enxerguei o telhado de duas águas como um material "tonal" e o quase inclinado como uma dissonância, justamente o intervalo não grande o suficiente para alcançar a consonância. 

Webern ou Berg, não tenho agora de ouvido qual dos dois, trabalhou dentro do desenvolvimento do dodecafonismo o intervalo da terça, seja na composição da série como harmonicamente mesmo. Me lembrei disso quando me peguei sugerindo ao Michel que trabalhasse, sim, com as águas que a cliente pede, encarando a questão central, então, do como.

Sem contar que a planta da Casa Anderson apresenta uma simetria nem tão implícita assim - e nem escancarada, exatamente como nas composições de Webern. A tese de doutorado da arquiteta Jane Duduch dá uma idéia de como Webern trabalhava a simetria. Jane transpõe a escala cromática dodecafônica de tons-sons para uma escala de tons-cores, produzindo a partir da Op. 27 de Webern uma partitura de cores e tamanhos na qual fica evidente o uso nada simplório da simetria pelo compositor. 

Curioso neste projeto também constatar a insuficiência da planta na compreensão volumétrica e espacial exigida pela arquitetura. Ao ter as plantas de térreo e superior nas mãos, a cliente num primeiro momento descartou o prosseguimento do trabalho do arquiteto e contratou os projetos complementares sem dar nenhuma direcão à conclusão do anteprojeto. Pensou ter nas mãos a partitura completa de uma sinfonia, quando tinha, se muito, a melodia ou mesmo um tema - saiu encomendando a harmonia sem orquestração por aí... Em música, essa fragmentação pode soar absurda, mas incrível como em arquitetura ainda se tem um longo caminho a percorrer no sentido da valorização da unidade, do conceito.


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